Notas sobre três referências culturais da comunidade macaense
Alexandra Sofia Rangel
Investigadora do IIM
Neste artigo são recordadas três distintas e marcantes personalidades, tidas generalizadamente como figuras de referência cultural da comunidade macaense: Luís Gonzaga Gomes, José dos Santos Ferreira (Adé) e Henrique de Senna Fernandes.
Luís Gonzaga Gomes
Luís Gonzaga Gomes nasceu em Macau a 11 de Julho de 1907 e faleceu a 20 de Março de 1976. Começou a escrever aos 14 anos, quando frequentava o Liceu de Macau, onde foi aluno de Camilo Pessanha e colaborou no jornal A Academia, que também contou com a pena do seu amigo e colega Joaquim Paço d’Arcos, que se tornaria um grande escritor da língua portuguesa, filho do então Governador de Macau, Henrique Monteiro Correia da Silva (Paço d’Arcos) (Teixeira 1986: 466). Após concluir o liceu, ingressou na Repartição Técnica do Expediente Sínico,1 onde se dedicou ao estudo do chinês, formando-se como intérprete de 1ª classe (Teixeira 1986: 469). Foi professor primário durante 24 anos ao mesmo tempo que aprofundou os seus conhecimentos da língua chinesa, que lhe permitiram ensiná-la no Liceu de Macau e na Escola dos Correios, Telégrafos e Telefones (Batalha 2007: 9).
Ao longo da sua vida, Luís Gonzaga Gomes trabalhou muito no sentido do enriquecimento do diálogo cultural luso-chinês, efectuando traduções e compilações, realizando estudos e escrevendo artigos em jornais e livros. Publicou em chinês uma tradução de Os Lusíadas contados às crianças de João de Barros (1942), História de Portugal (1955), Vocabulário Português-Cantonense (1941) e Vocabulário Cantonense-Português (1942). Das obras em português destacam-se Monografia de Macau (1950), Contos Chineses (1950), Lendas Chinesas de Macau (1951), Curiosidades de Macau Antiga (1952), Chinesices (1952), Festividades Chinesas (1953), Arte Chinesa (1954) e Efemérides da História de Macau (1954) (Teixeira 1986: 479-480).
Como afirma Graciete Batalha, no prefácio do livro Macau Factos e Lendas, uma compilação de artigos de Luís Gonzaga Gomes, “Mais de 30 volumes publicados, mais de 20 jornais e revistas em que colaborou ou que dirigiu, atestam bem a sua determinação de divulgar a história e a cultura macaense ou de contribuir para o intercâmbio cultural luso-chinês” (Batalha in Gomes 1994: 5). E no seu opúsculo Luís Gonzaga Gomes e o Intercâmbio Cultural Luso-Chinês, “(…) houve em Macau um homem silencioso e tenaz que, sem grande apoio moral ou material (…) dedicou grande parte da sua vida ao estudo da língua e da cultura chinesa, ao mesmo tempo que da ocidental, e ao meritório trabalho de as dar a conhecer uma à outra” (Batalha 2007: 9). Em Macau Factos e Lendas, Luís Gonzaga Gomes conta uma história relativa a duas árvores no jardim do templo de Kun Iâm, a Deusa da Misericórdia, onde “(…) reina sempre profundo silêncio e um ar de mistério bem propícios para quem nele intente buscar o recolhimento e a paz de espírito” (Gomes 1994: 69). Segundo esta lenda, antes de existir o templo, aquela área era ocupada por um pequeno povoado. Um dos lavradores, mais abastado que os seus vizinhos, vivia apenas com a sua filha e dois empregados. A filha e um dos empregados acabaram por se apaixonar, e ele foi pedir ao lavrador autorização para casar com ela. Este não consentiu e proibiu os dois jovens de se encontrarem novamente. Desesperados com a sua situação, os dois resolveram suicidar-se,
(…) pois talvez conseguiriam alcançar a felicidade noutro mundo, uma vez que não poderiam ser felizes neste (…) e, depois de se abraçarem e chorarem muito, enforcaram-se, corajosamente, cada um, nos ramos de duas árvores que cresciam isoladas naquele local. (…) E, fenómeno que causou tão grande espanto, as duas árvores, onde os dois desgraçados amantes se suicidaram, passaram, daí em diante, a desenvolver-se com extraordinária pujança, mas com os seus troncos abraçados um ao outro, como dois seres envolvidos num forte amplexo e com o estranho aspecto com que ficou até hoje (Gomes1994: 70-71).
Este local é um dos mais visitados em Macau, quer por residentes, quer por turistas. Luís Gonzaga Gomes foi conservador do Museu Luís de Camões,2 director da publicação Arquivos de Macau, director-bibliotecário da Biblioteca Central de Macau, vice-presidente e presidente da Comissão Administrativa do Leal Senado,3 secretário da Comissão da Defesa e Valorização do Património Artístico e Histórico da Província de Macau, secretário da comissão de instalação do Arquivo Central de Macau, além de ter igualmente desempenhado cargos em organismos da sociedade civil, como presidente do Rotary Clube de Macau, secretário do Círculo de Cultura Musical e do Círculo Cultural de Macau e secretário da Associação Desportiva Macaense. Foi também director da Emissora de Macau, correspondente da Agência ANI, chefe de redacção e administrador da revista Renascimento, secretário-geral e redactor do diário Notícias de Macau e colaborador de numerosas publicações periódicas locais, nacionais e estrangeiras (Rangel 2007: 14-15).
Além da sua actividade profissional, nos tempos livres, Luís Gonzaga Gomes representou Macau em ténis contra grupos de Hong Kong, tocou violino no Grupo de Amadores de Teatro e Música, participou como cantor em concertos e programas de rádio e adaptou e foi actor em peças radiofónicas (Teixeira 1986: 477). No entanto, era conhecido por ser uma pessoa solitária, dedicada aos seus trabalhos de investigação: “Luís Gomes foi o melhor e o mais prolífico historiador macaense nestes quatrocentos anos de vida desta terra, mas tão modesto que se escondia no pó dos Arquivos, sendo raro vê-lo em qualquer festa ou divertimento. Era um verdadeiro anacoreta” (Teixeira 1986: 473-474).
Em 2007, comemorou-se o centenário do seu nascimento, com um muito variado programa que incluiu uma missa e homenagem junto da sua campa no Cemitério de S. Miguel, uma exposição fotobiográfica, lançamentos de reedições de obras suas e palestras sobre a sua vida e obra. Onze entidades da sociedade civil de Macau assinaram um protocolo de cooperação na organização e promoção destas comemorações. Foi também reactivado o Cenáculo Luís Gonzaga Gomes, com sede na Sala Luís Gonzaga Gomes no Instituto Internacional de Macau (Rangel 2007: 27). Entretanto, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, ao reestruturar as suas subunidades de intervenção cultural, criou em Lisboa, em 2016, com a colaboração do Instituto Internacional de Macau, o Instituto Luís Gonzaga Gomes – Portugal, Macau, China. O nome de Luís Gonzaga Gomes foi dado a uma rua de Macau e a uma escola secundária e o seu busto, da autoria do escultor italiano Oseo Acconci, encontra-se no Jardim dos Poetas, numa zona nova da cidade de Macau. Foi condecorado pelo Estado Português com o grau de Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique e, por decisão do Governador de Macau, foi-lhe atribuída, a título póstumo, a Medalha de Valor, a mais alta condecoração de Macau na vigência da administração portuguesa. O Governo Francês concedeu-lhe o grau de Cavaleiro da Ordem das Palmas (Rangel 2007: 16).
José dos Santos Ferreira (Adé)
José Inocêncio dos Santos Ferreira, conhecido por Adé, nasceu em Macau a 28 de Julho de 1919, o mais novo de dezoito irmãos, filho de mãe macaense e pai português, natural de Seia que, nesse mesmo ano, partiu para Timor em busca de fortuna, trabalhando como comerciante. Morreu pouco tempo depois, deixando a família quase na miséria (Marreiros 1994: 21-22). Por este motivo, o pagamento das propinas e outras despesas escolares foi bastante difícil para José dos Santos Ferreira, deixando o Liceu de Macau aos dezassete anos para procurar emprego. Foi auxiliar de topógrafo e fiscal de obras antes de cumprir o serviço militar obrigatório. Entrou no quadro da Secretaria dos Serviços de Saúde em 1943 e, em 1956, foi nomeado chefe de Secretaria no Liceu de Macau, onde “(…) preocupou-se imenso e muito batalhou para que os alunos, filhos de famílias de condições económicas modestas, tivessem isenção de todas as propinas – matrícula, frequência e exames – e livros e material didáctico necessários (…) Muitos alunos beneficiaram dessa sua preocupação” (Marreiros 1994: 22). Conseguiu, portanto, que vários jovens não tivessem de passar pelo mesmo que ele, dando-lhes oportunidades e incentivando-os a continuar os estudos, especialmente quando, em 1964, se tornou secretário da STDM– Sociedade de Turismo e Diversões de Macau e convenceu os proprietários da empresa a instituir bolsas de estudo para o ensino secundário, universitário e pós-universitário (Marreiros 1994: 22-23).
Entusiasta de jornalismo, colaborou em vários periódicos locais, fez parte do corpo redactorial do Notícias de Macau e foi chefe de redacção de O Clarim, Comunidade e Gazeta Macaense. Foi correspondente dos jornais portugueses Diário de Notícias, Diário do Norte e Diário Popular, do jornal de Hong Kong China Mail e da agência noticiosa Associated Press (Marreiros 1994: 23). José dos Santos Ferreira também gostava de desporto e praticou futebol, atletismo, ténis e hóquei em campo, tendo desempenhado cargos e organizado competições no Hóquei Clube de Macau, Associação de Futebol de Macau, Conselho de Desportos, Ténis Civil, Associação de Hóquei em Campo de Macau e Associação de Tiro de Macau (Marreiros 1994: 23). Integrou a Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia e a Direcção do Clube de Macau e foi presidente do Rotary Clube de Macau. Pelo Governo Português foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique (grau de Cavaleiro) em 1979 e, do Governo de Macau, recebeu as medalhas de Mérito Desportivo e de Mérito Cultural em, respectivamente, 1983 e 1984 (Marreiros 1994: 25).
Além de todas estas actividades, foi na escrita, principalmente na poesia, em que ele mais se destacou, recuperando o dialecto macaense e dando-lhe uma nova vida nas suas récitas e poemas, sendo o seu maior divulgador, publicando as seguintes obras em patuá: Macau Sã Assi (1968), Qui-nova, Chencho (1974), Papiá Cristãm di Macau (1978), Camões, Grandi na Naçám (1982), Poéma di Macau (1983), Macau di Tempo Antigo (1985), Natal – Amor, Paz, Alegria (1986), Acunga Natal qui nôs já sunhá (1988), Macau, Jardim Abençoado (1988), Sã Natal, Jesus já nascê (1989), Luz di Natal (1990), Dóci Papiaçám di Macau (1990), Natal Cristãm (1991) e Poema na Lingu Maquista (1992) (Marreiros 1994: 26-27).
No entanto, apesar de ter uma vida preenchida, o poeta, por dentro, estava a sofrer com o futuro próximo da sua terra natal:
(…) cada vez mais negro estava também, segundo ele, o horizonte da sua amada terra que um dia acordaria chinês. O poeta que sempre acordou português, em todas as madrugadas, não podia continuar a conviver com a angústia de um dia acordar chinês. Nunca se acostumou à ideia, por isso, foi morrendo por dentro, pedaço a pedaço, despedaçado. Essa foi a sua morte, para quem o conhecia (Marreiros 1994: 25).
José dos Santos Ferreira faleceu num hospital de Hong Kong, a 24 de Março de 1993. O seu poema “Adios di Macau” (“O Adeus de Macau”), escrito dez anos antes da transferência de administração, é revelador do estado de espírito do poeta, traduzindo a sua profunda mágoa com o destino traçado para a sua terra. Transcrevo a primeira parte desse poema, em patuá e na versão portuguesa, também da sua autoria:
“Adios di Macau”
Macau ta perto falá adios
Pa tudo su filo-filo,
Pa Portugal,
Pa gente qui divera querê pa êle.
Quim têm êle na coraçám,
Lôgo sentí grándi margura;
Voz lô ficá engasgado na gargánta
Na ora di falá adios pa Macau.
Ah! Divera saiám, nôsso Macau!
Qui dói coraçám olá vôs têm-qui vai,
Escapulí di nôsso vida,
Vivo separado di nôsso Portugal.
Nôs nom-quêro vôs vai,
Vôs onçôm tamêm nom-quêro vai…
Mâz quim sã nôs
Na estunga mundo di gente poderoso,
Cuza sã nôs
Na estunga mar di ónda assanhado?
Têm más dez áno,
Dez áno na-más.
Tempo corê ligéro,
Trás di tempo, tudo passá azinha.
(…)
(Ferreira 1990: 27).
“O Adeus de Macau”
Macau está quase a dizer adeus
A todos os seus filhos,
A Portugal,
Às pessoas que a amam verdadeiramente.
Aqueles que a guardam no coração
Hão-de sofrer grande mágoa;
A voz lhes ficará embargada na garganta
No momento de dizerem adeus a Macau.
Oh! Que grande pena, nossa Macau!
Que sofrimento saber que terás de ir,
Sair da nossa vida
E viver desacompanhada do nosso Portugal.
Não queremos que vás,
Nem tu própria quererás ir…
Mas quem somos nós
Neste mundo de gente poderosa,
O que somos nós
Neste mar de ondas agrestes?
Faltam dez anos,
Apenas dez anos.
O tempo corre veloz
E atrás do tempo tudo desliza ligeiro.
(…)
(Ferreira 1990: 201).
A comunidade macaense adaptou-se ao novo estatuto de Macau, como região administrativa especial da República Popular da China e continua, localmente e na diáspora, a recordar Adé como um dos seus filhos mais dilectos.
Henrique de Senna Fernandes
Henrique Rodrigues de Senna Fernandes nasceu em Macau a 15 de Outubro de 1923, oriundo de uma das mais antigas famílias do território. Fez os ensinos básico e secundário em Macau. Terminou, em 1952, o curso de Direito na Universidade de Coimbra e regressou a Macau dois anos depois, exercendo advocacia desde então. Foi também professor na Escola Primária Oficial, no Liceu Nacional Infante D. Henrique, na Escola do Magistério Primário e na Escola Comercial Pedro Nolasco, de que foi director durante doze anos, sendo recordado com saudade e admiração por milhares de alunos que o consideram um dos melhores mestres de gerações de jovens de Macau (Rangel 2006: 101).
Desempenhou cargos em organismos públicos e associativos, como director da Biblioteca Central de Macau e da Biblioteca Sir Robert Ho Tung, director do Centro de Informação e Turismo do Governo de Macau, membro do Conselho Consultivo do Governador de Macau, presidente do Rotary Clube de Macau, presidente da Assembleia Geral da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e presidente da Associação dos Advogados de Macau (Rangel 2006: 101). Foi colaborador em vários periódicos de Macau, como A Voz de Macau, Notícias de Macau, O Clarim, Gazeta Macaense e Ponto Final, e nas revistas Mosaico e Revista de Cultura. Foi também crítico de cinema na Emissora de Radiodifusão de Macau (Rangel 2006: 102).
Henrique de Senna Fernandes publicou duas compilações de contos, Nam Van – Contos de Macau (1978) e Mong Há (1998), e dois romances, Amor e Dedinhos de Pé (1985) e A Trança Feiticeira (1993), este último com uma tradução em língua inglesa, The Bewitching Braid. Os dois romances foram levados ao cinema: Amor e Dedinhos de Pé foi realizado por Luís Filipe Rocha em 1993, e A Trança Feiticeira por Yuanyuan Cai em 1996. Os actores principais foram, respectivamente, Joaquim de Almeida, no papel de Francisco da Frontaria, e Ricardo Carriço, no papel de Adozindo. O seu conto “A-Chan, a Tancareira”, vencedor do Prémio Fialho de Almeida dos Jogos Florais da Queima das Fitas de 1950 da Universidade de Coimbra, relata a história de amor em Macau entre uma chinesa pobre, tancareira, 4 chamada A-Chan, e um marinheiro português, Manuel, nos inícios da década de 40 do século XX. Destaco a seguinte passagem que traduz a atracção de Manuel por A-Chan:
A-Chan trazia-lhe paz na sua determinada dedicação. Chocava-o aquela submissão de fêmea amorosa que nada pedia. Uma calada devoção que o enternecia. Gostava de ficar ao pé dela a seguir a marcha rutilante das estrelas, a paisagem nocturna de Macau, o casario da Penha e o da Barra, diluídos em sonho no fundo azul da noite. Era feia, ignorante, açulada pela canga do rio. Mas os olhos orientais não escondiam uma imensa ternura pelo marinheiro saudoso do mar. Sensibilizava-o a maneira como lhe sorria, como lhe oferecia a tigela de chá ou como lhe passava os dedos calosos e ásperos pelos seus cabelos loiros de europeu, num requinte de familiaridade. Falavam pouco, entendiam-se mais por gestos que por palavras. Mas que reconfortantes os silêncios em que ela se apagava num canto do tancá para não lhe perturbar as meditações (Fernandes 1978: 11-12).
Manuel e A-Chan, apesar de não estarem casados, acabam por ter uma filha mestiça, com “cabelos aloirados, tez quase branca, olhos claros, a denunciar ascendência europeia” (Fernandes 1978: 14). Viveram juntos mas, com o fim da Guerra no Pacífico, Manuel é obrigado a regressar a Portugal:
Tornou-se-lhe obsidiante o problema da filha. Não tinha coragem de renunciá- la. Que futuro lhe reservaria a tancareira? Cresceria no ambiente soturno do porto, acompanharia a mãe nos espinhos do ofício, maltratada pelo mundo e pela fome que é o estigma de todas as camadas paupérrimas da China. E depois, Mei-Lai não tinha feições puras de oriental. Só por si denunciava uma pecaminosa ligação com o europeu. Nunca vira mestiças a trabalhar no rio. Para outros caminhos as levara o destino. Para os bordéis, para as hospedarias das vielas do amor. Em toda parte, onde nasciam rebentos clandestinos de europeus, a prostituição lucrava. Não, não podia abandonála (Fernandes 1978: 16).
Sabendo que só ele poderia oferecer uma vida melhor à sua filha ilegítima, Manuel leva-a com ele para Portugal, abandonando A-Chan no porto, ouvindo os seus “(…) soluços (…). Espaçados, pungentes, envergonhados” (Fernandes 1978: 18). Henrique de Senna Fernandes foi condecorado com o grau de Oficial da Ordem da Instrução Pública (1978), a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique (1986), a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Macau (1989), a Medalha de Valor do Governo de Macau (1995), o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada (1998), o título de Cidadão Emérito de Macau (1999) e a Medalha de Mérito Cultural da Região Administrativa Especial de Macau (2001) (Rangel 2006: 101-102). Em 2003, foi eleito académico correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e, em 2004, recebeu o Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau, destinado a contemplar “(…) personalidades ou instituições que, pela sua acção, obra e exemplo, hajam contribuído, activa e significativamente, para a preservação e o reforço da identidade de Macau” (Rangel 2006: 100). O Instituto Internacional de Macau quis homenagear, “(…) com toda a justiça, o escritor, o professor, o jurista, o bibliotecário e o dirigente dedicado de organismos locais, públicos e privados, que muito contribuiu para a afirmação da identidade cultural de Macau, sendo por muitos considerado o patriarca da comunidade” (Rangel 2006: 103).
Henrique de Senna Fernandes faleceu no dia 4 de Outubro de 2010. Não obstante problemas de saúde que limitaram a sua intervenção cívica e cultural, continuou nos últimos anos da sua vida a ser um membro activo de várias organizações, como o Conselho das Comunidades Macaenses e a Confraria da Gastronomia Macaense. Na nota de abertura do seu livro de contos Nam Van – Contos de Macau, escreveu: “Se alcancei o meu objectivo, ficarei grato por saber que prestei um serviço à minha terra” (Fernandes 1978: 4). É óbvio que sim. O Instituto Cultural de Macau assumiu, entretanto, a responsabilidade de publicar as obras completas de Henrique de Senna Fernandes, cujos primeiros volumes foram o romance inédito Os Dores, em 2012, a que se seguiram as reedições de Amor e Dedinhos de Pé e A Trança Feiticeira e, em 2015, A Noite Desceu em Dezembro, um novo romance parcialmente publicado no jornal Ponto Final.
***
Estes três escritores macaenses, para além das relevantes obras que nos legaram, tiveram uma intervenção cívica da maior importância, contribuindo decisivamente para o reforço da singularidade de Macau. A sua memória continuará certamente a estimular novas gerações da comunidade macaense a enfrentar, com sucesso, os acrescidos desafios que as mudanças históricas verificadas na terra-mãe e na diáspora lhes lançaram.
Bibliografia
BATALHA, Graciete Nogueira (2007). Luís Gonzaga Gomes e o Intercâmbio Cultural Luso-Chinês. Colecção Mosaico. Volume III. Macau: Instituto Internacional de Macau.
FERNANDES, Henrique de Senna (1978). Nam Van – Contos de Macau. Macau: Edição do Autor.
FERREIRA, José dos Santos (1990). Doci Papiaçám di Macau. Colecção Poetas de Macau. Volume I. Macau: Instituto Cultural de Macau.
GOMES, Luís Gonzaga (1994). Macau Factos e Lendas. 3.ª edição. 1.ª edição 1979. Macau: Instituto Cultural de Macau.
MARREIROS, Carlos (1994). Adé dos Santos Ferreira – Fotobiografia. Macau: Fundação Macau.
RANGEL, Jorge A. H. (2006). Falar de Nós: Macau e a Comunidade Macaense – acontecimentos, personalidades, instituições, diáspora, legado e futuro. Volume II. Macau: Instituto Internacional de Macau.
RANGEL, Jorge A. H. (2007). No Centenário de Luís Gonzaga Gomes. Colecção Mosaico. Volume VI. Macau: Instituto Internacional de Macau.
TEIXEIRA, Monsenhor Manuel (1986). Liceu de Macau. 3.ª edição. 1.ª edição 1944. Macau: Direcção dos Serviços de Educação.