Alexandra Sofia Rangel
Investigadora 

 

 

16 anos após a transferência do exercício da soberania, muitas instituições macaenses de matriz portuguesa continuam a desenvolver uma intensa e eficaz acção em diversificadas áreas, ao serviço das comunidades locais.

Largo do Leal Senado.Largo do Leal Senado.

 

Algumas dessas instituições, pela sua antiguidade, reportam-se quase ao início de Macau, tendo sobrevivido, pela sua capacidade de afirmação, até aos nossos dias, como é o caso da Santa Casa da Misericórdia, fundada em 1569 pelo Bispo D. Belchior (Melchior, na forma erudita) Carneiro e ainda agora em funcionamento, cumprindo a missão de apoio social que presidiu à sua criação. Esta foi a segunda mais antiga Misericórdia ultramarina, estabelecida logo a seguir à de Goa (Provedoria da Santa Casa da Misericórdia 1969: 10-14). Ainda hoje, os macaenses sentem-se muito identificados com este organismo, e os seus órgãos sociais são constituídos por personalidades destacadas da comunidade, tendo muitas delas uma intervenção cívica importante.

 

A Igreja Católica, por seu lado, com o seu conjunto de congregações, irmandades e outros organismos associados, conseguiu ser a mais perene e consequente de todas as instituições, realizando objectivos de natureza social e educativa, para além do apostolado. Comunidade ligada aos valores cristãos desde os primórdios, os macaenses identificaram-se largamente com a acção missionária e envolveram-se, ao longo da história, no funcionamento desses organismos, participando nas actividades religiosas e colaborando na sua obra social.

 

A Diocese de Macau teve à sua frente prelados portugueses até vésperas da transição, quando foi designado o primeiro bispo de etnia chinesa, D. Domingos Lam, natural de Hong Kong e formado em Macau, no Seminário de S. José, sendo fluente na língua portuguesa. Coube-lhe preparar a Igreja e os fiéis para a nova situação político-administrativa de Macau. Substituído depois por D. José Lai, natural de Macau e formado no Seminário de Leiria, a Igreja continua a ter um papel de maior relevância na sociedade de Macau, com uma intervenção muito significativa no ensino e através de organismos de solidariedade social, não tendo sido colocado nenhum obstáculo ao seu funcionamento pelas novas autoridades. Desde Janeiro do corrente ano, é bispo de Macau D. Stephen Lee, anterior bispo auxiliar de Hong Kong.

 

No âmbito político-administrativo, a instituição considerada a mais ge- nuína da comunidade foi o Senado de Macau, criado em 1583, vinte e seis anos após a data da fundação de Macau (1557). Nasceu de uma assembleia de moradores que escolheu para sua administração a forma senatorial, baseada nas franquias municipais outorgadas pelo Rei a algumas cidades de Portugal, adoptando, no ano seguinte, o nome de Senado da Câmara, composto por dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador da cidade, escolhidos, anualmente, por eleição popular (Gomes 1997: 15).

 

A denominação de “CIDADE DO NOME DE DEUS, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL” foi conferida em 1654 por D. João IV “(…) em fé da muita lealdade que conheceu nos cidadãos dela” e, a 13 de Maio de 1810, D. João VI concedeu o honroso título de Leal ao Senado de Macau (Gomes 1997: 114-115). Este organismo – Leal Senado de Macau – ostentou com o maior orgulho esta distinção real e foi sua responsabilidade a gestão da cidade até ao fim da transição. Macau adoptou, desde os primeiros tempos da sua história, o sistema municipal para gestão dos negócios públicos, e nem sempre foi pacífica a articulação de poderes entre o Senado, eleito localmente, e o Governador, designado pelo poder central em Lisboa (Gomes 1997: 110-114).

 

Logo após a transferência de administração em 1999, a primeira lei publicada pelas novas autoridades, conhecida por Lei da Reunificação, definiu no seu artigo 15.º, que “(…) os órgãos municipais de Macau previamente existentes são reorganizados para órgãos municipais provisórios sem poder político”, passando o Leal Senado a denominar-se Câmara Municipal de Macau Provisória, o mesmo acontecendo com o outro município de Macau, a Câmara Municipal das Ilhas, a que se acrescentou a designação “Provisória”, deixando os seus símbolos, carimbos e bandeiras de ser utilizados. Pôs-se fim, desta feita, a uma prática longa de participação cívica e de envolvimento directo dos cidadãos na vida pública. Um ano depois, a Lei n.º 17/2001 de 17 de Dezembro acabaria mesmo, para surpresa geral, por extinguir essas câmaras municipais provisórias, criando, em sua substituição, um instituto público denominado Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (Rangel 2004: 255-256). Os responsáveis por este novo organismo deixaram de ser eleitos pela população e passaram a ser designados pelo Chefe do Executivo da Região, o que não foi bem recebido pelos segmentos mais esclarecidos e activos, quer da comunidade macaense, quer da comunidade chinesa local. A cidade de Macau ficou, assim, sem Câmara Municipal e o velho Senado – Leal Senado – deixou definitivamente de figurar entre os órgãos de gestão político-administrativa de Macau.

Sé Catedral.Sé Catedral.

 

Na área da educação destaca-se a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), instituição centenária fundada em 1871 e vocacionada para o desenvolvimento da educação da comunidade macaense. Foi criada após a ordem vinda de Lisboa, em 1870, de expulsão de todos os estrangeiros que lecionavam em Macau, tornandose, pois, necessário que a comunidade macaense tomasse medidas para que a juventude de Macau não ficasse prejudicada com esta decisão. Através do esforço da Associação, a Escola Comercial Pedro Nolasco foi fundada em 1878 e durou até 1998, ano em que a Escola Portuguesa de Macau foi instalada nesse complexo escolar. A APIM tornou-se, então, membro da Fundação Escola Portuguesa de Macau, tendo, por isso, responsabilidades de gestão deste estabelecimento de ensino cuja línguaveicular é a portuguesa. A APIM tem, entre outros, os seguintes objectivos: conceder bolsas de estudo, facultar material escolar a alunos carenciados e desenvolver outras acções em prol da juventude local. A APIM também mantém em funcionamento uma biblioteca cujo acervo é, na sua maioria, em português e é responsável pela gestão directa e funcionamento do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, igualmente em língua veicular portuguesa.

Outras instituições educativas que não podem ser olvidadas, dado que lhes coube a responsabilidade de formar gerações de macaenses, tendo o português como língua de ensino, foram o Liceu Nacional Infante D. Henrique e a Escola Primária Oficial Pedro Nolasco da Silva, extintos, juntamente com a Escola Comercial, no momento da criação da Escola Portuguesa de Macau, e ainda o Colégio D. Bosco (escola industrial salesiana) e o Seminário de S. José, com internato e externato.

Santa Casa da Misericórdia.Santa Casa da Misericórdia.

 

Muitos organismos recreativos foram criados ao longo dos tempos, funcionando como “(…) centros de convivência, conforme as categorias sociais, de frequência diária (…)”, estando a vida clubista no apogeu a meados do século XX, destacandose então o Clube de Macau, o Grémio Militar (actualmente denominado Clube Militar) e o Ténis Civil, ainda agora em actividade. Além do ténis, a modalidade desportiva com a qual a comunidade macaense mais se identificou foi o hóquei em campo, muito intensamente praticado através do prestigiado Hóquei Clube de Macau. Outras agremiações foram sendo extintas com o passar dos anos, como por exemplo o Clube Desportivo Argonauta, a União Recreativa, o Clube de Caçadores de Tiro aos Pratos e o Ténis Harmonia (Fernandes 1999: 62-63).

Casa de Portugal em Macau.Casa de Portugal em Macau.

 

De natureza sindical, merece referência a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), fundada em 1987, que congrega os funcionários públicos e pugna pelos seus direitos, estando hoje também aberta à participação de outros trabalhadores.

 

Entretanto, foram criadas novas associações identificadas com a comunidade, como o grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau (fundado em 1993 com o propósito de apresentar peças em patuá, o crioulo português de Macau, e manter vivo este dialecto), o Conselho das Comunidades Macaenses, a Associação dos Macaenses, a Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau e o Instituto Internacional de Macau.

 

O Conselho das Comunidades Macaenses entrou em funcionamento em Novembro de 2004, sendo uma instituição de direito privado cujo objectivo principal consiste na integração dos interesses e anseios da comunidade macaense da diáspora e a sua articulação com organismos locais da mesma comunidade. O Conselho integra organizações macaenses não-governamentais da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e as Casas de Macau e organismos similares no exterior. Cabe-lhe igualmente a organização dos Encontros das Comunidades Macaenses.

 

A Associação dos Macaenses (ADM), instituição sem fins lucrativos fundada em 1996, tem os objectivos de estabelecer e promover a solidariedade entre os macaenses, defender a identidade cultural e dignificar a presença da comunidade macaense, no território e fora dele, e a realização de acções de beneficência.

 

A Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), constituída em 2001, organiza convívios, palestras, excursões e visitas, e faculta exames médicos e tratamentos destinados a idosos. Também se ocupa de questões relacionadas com pensões e reformas dos seus associados junto dos serviços oficiais competentes e promove a participação em acções de beneficência.

 

Em 1999 foi criado o Instituto Internacional de Macau (IIM), uma or- ganização não-governamental que promove a nível internacional a identidade cultural, económica e social de Macau, tendo como objectivo contribuir significativamente para o desenvolvimento cultural da Região Administrativa Especial de Macau. O IIM veio complementar as áreas de intervenção dos organismos macaenses, adicionando-lhe a dimensão académica e intelectual, realizando estudos sobre Macau, articulando o seu funcionamento com universidades e outras instituições de ensino superior locais e do exterior, e mantendo uma relação activa com a Europa e o mundo lusófono. Ao longo da sua primeira década de funcionamento, editou largas dezenas de títulos, em resultado dos seus trabalhos de investigação académica.

 

Igreja de São Domingos.Igreja de São Domingos.

Associação dos Macaenses.Associação dos Macaenses.

São de referir também pela relevância da sua actuação, como instituições de matriz portuguesa, a Casa de Portugal em Macau, criada em 2001 e com resultados muito positivos no domínio da promoção cultural e na formação, através de uma escola de artes e ofícios, e o Instituto Português do Oriente (IPOR), fundado na fase final da administração portuguesa, como centro cultural e de ensino da língua portuguesa, fazendo a coordenação pedagógica de leitorados e organismos congéneres no Extremo Oriente. Na área económica, além do Banco Nacional Ultramarino, que ainda é banco emissor, outras instituições bancárias portuguesas funcionam em Macau, onde opera a Associação Empresarial Internacional para os Mercados Lusófonos, sendo esta ligação assegurada, de forma permanente, pelo Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, cujo secretariado tem sede no território.

 

 

Quer antes, quer depois da transição, o Governo de Macau, reconhecendo a importância das instituições macaenses, tem apoiado financeiramente o seu funcionamento e desenvolvimento. É muito positivo constatar o dinamismo e a afirmada utilidade destas instituições, que souberam sobreviver e crescer para além da transferência do exercício da soberania.

Clube Militar.Clube Militar.

Escola Portuguesa de Macau.Escola Portuguesa de Macau.

 

Bibliografia

  • Fernandes,Henrique de Senna (1999). “Macau de Ontem” in Luís Sá Cunha (org.) (1999). Macau di nôs-sa coraçám – Memorandum afectivo para os participantes no III Encontro das Comunidades Macaenses. Pp. 51-69. Macau: Fundação Macau.
  • Gomes,Luís Gonzaga (1997). Macau – Um Município com História. Macau: Leal Senado de Macau.
  • Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Macau (1969). IV Centenário da Santa Casa da Misericórdia da Macau 1569-1969. Macau: Imprensa Nacional de Macau.
  • Rangel, Alexandra Sofia (2012). Filhos da Terra – A Comunidade Macaense, Ontem e Hoje. Macau: Instituto Internacional de Macau.
  • Rangel, Jorge A. H. (2004). Falar de Nós: Macau e a Comunidade Macaense – acontecimentos, personalidades, instituições, diáspora, legado e futuro. Volume I. Macau: Instituto Internacional de Macau.

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