António Aresta
Professor e investigador
António Manuel Couto Viana.
(Desenho de Carlos Marreiros).
No antigo jornal Gazeta Macaense, então dirigido por Leonel Borralho, na edição de 24 de Dezembro de 1987, exactamente há 28 anos, foi publicado um poema de António Manuel Couto Viana, “Natal de Exílio” e um outro, como a “resposta” que lhe deu o Padre Manuel Teixeira, sob o título, “O Amor é Universal”.
O Padre Manuel Teixeira (1912-2003) foi, décadas a fio, a figura tutelar da vida cultural de Macau, fecundo cronista e laureado historiador com largas dezenas de títulos publicados em vários idiomas, destacando-se Galeria dos Macaenses Ilustres (1942), Toponímia de Macau (1979), Camões Esteve em Macau (1981) ou Macau no Século XVIII (1984).
António Manuel Couto Viana (1923-2010), poeta consagrado e premiado, teve uma passagem episódica pelo Território [veja-se O Poeta no Oriente do Oriente, edição do Instituto Internacional de Macau, 2007], mas não obstante isso, devemoslhe o mais genuíno lirismo de feição aristocrático e orientalista, onde a palavra se entrelaça em vigorosos contornos épicos e éticos [No Oriente do Oriente, 1987; Até ao Longínquo China Navegou, 1991]. Macau emerge assim com uma insuspeitada pulsão existencialista, ansiando responder à pergunta que Camilo Pessanha inscreveu na Clepsidra: “Imagens que passais pela retina / Dos meus olhos, porque não vos fixais?”.
Padre Manuel Teixeira.
À superior oficina poética de António Manuel Couto Viana, oferece o Padre Manuel Teixeira uma tocante simplicidade e um humanismo real e lhano. Para não correr o risco de ficar perdido, resgato do esquecimento este invulgar momento poético digno da melhor tradição do jornalismo literário dos fins do século XIX. Ao que tudo indica, ambos os poemas não foram recolhidos em volume pelos seus autores.
O Poeta residiu em Macau num contexto histórico especial, onde as comunidades estavam muito expectantes quanto ao verdadeiro significado da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre o futuro do Território.
Recorda com alguma nostalgia, numa conferência proferida em 2007, na Delegação Económica e Comercial de Lisboa, “que recebeu, do Instituto Cultural de Macau, o honroso convite de se deslocar ao ainda português território oriental do rio das Pérolas, para estruturar-lhe toda a actividade teatral, quer portuguesa quer chinesa; de colaborar na criação de um Conservatório de Música, Dança e Teatro; ministrar um curso intensivo de arte dramática a quem, de expressão portuguesa, o pretendesse frequentar, e, finalmente, organizar o espectáculo de 10 de Junho de 1986, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. O poeta, também mestre de Teatro, aceitou, com prazer, as difíceis mas aliciantes incumbências”.
A aceleração da História chegou com o tempo da transição, para uns uma realidade ornada por uma sofrida nostalgia e para os outros uma época de inominável exaltação e patriotismo. A maioria, expatriada e ultramarina, essa celebrará o espírito de Macau no continente que profissionalmente a acolheu.
O Padre Manuel Teixeira foi determinante para a integração e ambientação de António Manuel Couto Viana a Macau. Com efeito, “dois dias após, refeito da longa viagem, o poeta teve o privilégio de fruir de um passeio pela cidade e pelas ilhas da Taipa e Coloane, na companhia apaixonante de Monsenhor Manuel Teixeira, o sábio historiador daquelas paragens, solícito em realçar as belezas da terra e o valor dos seus faustos”.
O Padre Manuel Teixeira muito mais ciente dessa nova realidade ontológica, retorquiu deste modo:
Natal de Exílio
Vai nascer-me o Menino no exílio.
(Nenhum riso a rosar-lhe a palidez?)
Como louvá-lo, então? Como pedir-lhe auxílio?
Não chega a tanto o meu chinês.
Vou olhar-lhe no olhar oblíquo e grave
A censura à saudade e ao desejo
De me evadir em voo, como íntima ave,
Rumo ao Norte de mim, com a prece e o beijo?
De mesentir seguir na caravana
De algum rei oriental que leu a luz nos céus,
Pra adorar o presépio da infância de Viana
E em Sintra consoar na comunhão dos meus?
Acaso entenderá que eu não entenda, não,
Que o Menino nascido aqui é igual
Ao nascido onde tenho o coração?
E que sem coração eu não tenha Natal?
Cidade do Nome de Deus de Macau
29.10.1987
António Manuel Couto Viana
O Amor é Universal
Ao Poeta Couto Viana, que soltou este lamento:
“Vai nascer-me o Menino no exílio
(Nenhum riso a rosar-lhe a palidez?)
Comolouvá-lo, então? Como pedir-lhe auxílio?
Não chega a tanto o meu chinês.”
RESPOSTA
Não tenha pena, afinal,
De não chegar-lhe o chinês:
O Amor é universal,
Jamais teve palidez.
De Macau até Pequim,
De Nova York a Lisboa,
Retine como um clarim,
Por todo o mundo ressoa.
É a eterna melodia
Que alegra a terra e o céu,
É a mais bela harmonia
Que pelo mundo irrompeu.
Que sinfonia tão bela
A sinfonia do Amor!
Todos se reveem nela
E lhes dá vida e calor.
O Menino entende a peça
Desta alegre sinfonia,
Inda que ela seja expressa
Numa infinda algaravia.
Amo – diz o português
Ich libe – o germano
Ngó hói nei – cá o chinês
Te amo – canta o italiano.
Je vous aime – o bom francês
Yo ti amo – o espanhol
I love you – repete o inglês,
Do nascer ao pôr do sol.
Cada língua é diferente,
Mas o Amor é sempre igual.
Jesus acolhe-o contente,
Ou na China ou em Portugal.
Macau, Natal de 1987
Padre Manuel Teixeira
Nessa mesma edição da Gazeta Macaense aparece uma pequena notícia intitulada “Cânticos de Natal em Patois”, informando os leitores que “poderão ser escutados no próximo domingo, dia 27, através da Emissora da Rádio Macau, durante a transmissão do programa dominical Macau ao Vivo, co-produzido pela TDM e ICM e apresentado por Luís Machado e João Manuel”. Já então se dizia que os “entusiastas do patuá terão, assim, a oportunidade rara de escutar um programa de agrado certo, no mavioso dialecto macaense, hoje em vias de completa extinção”. Como se nota, e apesar das adversidades, a defesa do patuá foi sempre uma preocupação sentida pela comunidade.
A imprensa escrita continua a ser uma fonte contínua de cultura, de história e de memórias. Uma parte significativa da identidade cultural de Macau está registada e documentada na imprensa periódica dos últimos duzentos anos.