Entrevista com Jorge Rangel - Jornal O GLOBO

POR ANDRÉ MIRANDA
28/10/2015 6:00
“Nasci em Macau há 72 anos, de família portuguesa que imigrou há dez gerações. Formei-me em educação, comunicação e letras e presido o Instituto Internacional de Macau, órgão que promove Macau no exterior, não pelo viés comercial, mas da relação de sua cultura com os países do mundo lusófono”
Conte algo que não sei.
Embora seja aquela terra lá longe, na costa da China, onde a língua portuguesa ainda é a oficial, ao lado do chinês, Macau ficou fora do Acordo Ortográfico.
O que aconteceu?
Em dezembro de 1999, o território passou de Portugal para a República Popular da China. Em resumo, Macau deixou de ser Portugal. Então caberia ao atual governo decidir o que fazer em relação ao Acordo. Mas não decidiu-se nada.
Como a mídia lusófona em Macau lida com isso?
Há três jornais, uma TV e uma rádio. De modo geral, usam a grafia antiga. Quando sai um artigo com a nova, eles deixam isso explícito no final dos textos, com um aviso.
Quantas pessoas falam português em Macau?
O português não é comumente falado, tampouco o mandarim. No dia a dia, fala-se um dialeto da província do Cantão, que tem 100 milhões de habitantes. É usado também na maioria das escolas. O português e o chinês são mais usadas pelo governo.
Ainda se encontra resquício da colonização portuguesa?
Sim. Em 2005, a Unesco reconheceu o Centro Histórico de Macau como patrimônio mundial. É repleto de referências. Lembra as cidades antigas de Brasil e Portugal, com igrejas e velhas mansões.
Existe preconceito entre chineses e portugueses?
Não, há uma grande harmonia. Foi criada uma nova comunidade, mestiça, chamada macaense. Uma nova geração, o resultado humano do encontro de dois povos.
Qual a população hoje?
É pequena. São 580 mil residentes permanentes. Mas Macau tem muito mais turistas que Brasil e Portugal. Ano passado foram 31 milhões.
O que atrai os turistas?
É o jogo! Temos cassinos enormes. A renda de Macau com jogo ultrapassou sete vezes a de Las Vegas. Além disso, Macau oferece àquela região uma história diferente, pela colonização portuguesa.
São boas as relações de Macau com o resto da China?
Macau tem um legado jurídico do tempo de Portugal, com uma Lei Básica, que foi buscar na constituição portuguesa todos os direitos e liberdades. Isso garante que a população se beneficie de uma abertura que não existe no restante da China. Não temos censura, pode-se sair e entrar livremente e até criticar o governo.
Isso não faz com que dissidentes fujam para Macau?
A fronteira é controlada dos dois lados. É como um território estrangeiro. Macau tem uma grande autonomia. O governo chinês, por exemplo, não pode indicar um dirigente seu para cargos públicos ali. Temos uma assembleia legislativa e um chefe do executivo, eleito por um grupo de 300 pessoas: deputados, presidentes de associações e gente dos órgãos consultivos.
Não há separatismo?
Não propriamente. Há afirmação das diferenças e da autonomia, que a China respeita. É diferente de Hong Kong, onde os jovens foram às ruas para tentar garantir a todo custo uma ligação com o Ocidente. O governo em Hong Kong perdeu completamente o apoio da juventude e dos intelectuais. Já em Macau não sentimos com tanta intensidade isso. Não há um medo de opressão, como em Hong Kong, uma grande praça financeira.